06 Aug
06Aug

Me lembro como se fosse hoje da noite em que pulei com Ismália, de Alphonsus de Guimaraens. Afundei no dentro que não cabe. A linha que me separava do mundo se desfez num emaranhado sem começo, com nós a desatar. Meu contorno fugiu como uma corsa do tiro e meus olhos se encheram de um brilho úmido e doído. Eu tinha 14 anos. O fora me invadiu sem permissão e tomou meus espaços sem nome. Desaguei com ela no mar. Fiquei um tempo sem ar, imersa, mirando de longe a lua no seu brilho que atravessava as águas. 

Como ela, presa naquela torre da adolescência que teima em chegar de supetão, tomada de incertezas, eu queria tudo: o mar e o céu, a vida e a morte, a harmonia impossível entre os antagonismos que nos preenchem na juventude. Talvez durante a vida toda.

Ismália era eu, em delírio e hesitação, ora no desejo de beijar um garoto, ora na loucura de saltar de uma ponte sobre a 9 de julho. Cheia de reticências sobre a vida como aqueles versos, não tão organizada e rimada como as redondilhas, eu me vi naquela figura, quase transcendente. E da Ismália que fui e que li, nunca mais esqueci. 

Já adulta, tarde da noite, perambulando pela antiga Livraria Cultura, reencontrei Ismália me aguardando na prateleira, numa edição fresca e cheia de plenitude de 2006 pela Cosac Naify, com o projeto gráfico mais absolutamente lindo que já vi para esse texto, do Odilon Moraes. 

Desta vez, mergulhada no livro de capa dura, com páginas que vão e vem no efeito sanfona, minha vontade de beleza, de unir minha alma ao meu corpo num infinito quase que divino, fez-me mais uma vez pular. Trouxe Ismália para casa. Era um encontro definitivo. 

Ela ainda me lembra, cotidianamente, da impossibilidade de ser completa. E de que talvez, para conseguir unir o que se deseja, seja preciso dividir. Na tentativa de escrever essa crônica, me vejo querendo o céu e o mar. Também na escrita há que se acostumar com o fato de que não, não teremos tudo. E então, faço uma escolha: me lanço!

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