04 Dec
04Dec

Esses dias ouvi de um amigo querido:

- Você está ficando uma velha chorona!

Escutei essa frase enquanto cantava uma música que escuto desde os quinze anos, com a diferença que, pela primeira vez, estava diante da cantora ao vivo. Emocionada, com todas as memórias que acompanhavam as canções que ela compôs e que embalaram a minha adolescência, como se as experiências tivessem voltado à tona, fiquei quieta. Sem jeito. e depois dei risada disfarçando a vergonha de ter sido descoberta.

Quando vejo um filme, leio um livro, vou ao teatro, canto num show, sim eu choro. E também com notícias sobre guerras, cartas, medo de ser esquecida, carinho dos filhos, fogos de artifício no Ano Novo, vídeos fofos de filhotes, gritos, bons momentos em família... sim, choro com tudo isso e mais um pouco. Todas as vezes que sou tomada pela beleza, pela Arte, pela dor, por lembranças e sentimento de impotência; pelo amor, pelo reconhecimento, por aquela alegria genuína... eu perco o controle sobre minhas lágrimas e elas seguem lavando, desde sempre, esse meu rosto de marcas.

Hoje pela manhã comprei um creme facial com retinol, vitaminas e mais algumas promessas. O que me conquistou na embalagem foi a palavra "rejuvenescedor", acompanhada da frase em letras menores "preenche linhas e marcas de expressão".

Essas marcas de uma trabalhadora da educação, de uma escritora insone, de uma mãe quase incansável, de uma artista do corpo e da palavra, de uma companheira pau para toda a obra, de um a mulher madura de quarenta e dois anos chamada de velha. Sei que devo me orgulhar. É que ainda luto contra os discursos opressores machistas e etaristas que dizem da minha validade e fragilidade. 

Na drogaria, ao passar pelo caixa pagando centenas de reais no bendito creme, eu perdi outra vez, como na noite em que fiquei com vergonha de respondê-lo. Com vergonha de mim.

O que a escrita tem com isso? 

Para o mesmo amigo, na escrita não sou velha. Apesar de já ter visto concurso com corte de idade, tenho meu lugar. Um lugar bonito, de quem vem carregando consigo a experiência acumulada em juntar letras para fazer a vida movimentar. Na escrita amadureço como um bom vinho. Para o mesmo amigo, na escrita não sou chorona. Ele reconhece que sou corajosa ao me lançar e colocar minha voz no mundo.

Foi então que nasceu essa crônica: do desejo de afirmar que o que sou me orgulha, mas não só na escrita. De relembrar que não podemos baixar a guarda um minuto porque sempre haverá alguém, talvez até próximo e que te ame com força, para reforçar aquilo que jamais devemos acreditar: que somos menos. 

Quem sabe na próxima vez que eu ouvir algo do tipo, esteja melhor preparada para bradar:

- Seu etarista e machista de merda, vá cuidar da sua vida!

E se for meu amigo outra vez, esse que me acompanha há anos em quase todos os momentos importantes da minha vida e da minha escrita, eu possa dizer sem medo de perdê-lo:

- O que você espera de mim é uma mentira? Você me vê?

Sigo acreditando que a escrita é uma das minhas formas de resistir e que a crise dos quarenta vai passar. No fim das contas, eu preciso me abraçar sozinha primeiro.

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